quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pés- Parte II


Rita anda em direção ao abismo entre morte e vida, Catarina a segura pela mão e a conduz para suas então certezas. Quer Marcelo, sente frio e o aperto no peito lhe prende a respiração. Mergulha em sua memória às vezes em que fitava os olhos de Marcelo e se perdia na cor opaca e sem brilho que transpassava além dela como se nada estivesse em sua frente. Pusera-se a pensar em remotas vezes em que vira brilho naquele olhar, espantara-se ao relembrar que apenas uma vez dentre inúmeras felicidades o identificara no ocular de Marcelo.

Sim, fora no dia de teu casamento, Catarina sempre observara ao longe as decisões tomadas pelo então jovem casal, e opusera-se a todas elas com fervor e entusiasmo. Acreditava que destino não existe e que ela poderia finalizar todo e qualquer indício de permanência eterna daquele e de outros matrimônios.

Lembra-se Rita que em seu dia de núpcias Marcelo depositara nela toda sua felicidade, assim como se a tivesse transferido como forma de mantê-la segura, para que não escapasse jamais. Foram felizes naquela noite. Juntos somente naquela noite.

Eu sempre quis roubar-lhe para ser em parcela, feliz. Rita nunca soube de minha essência e não conhece meu ser, mas Marcelo já sabia desde então minhas intenções e propósitos, lhe era bem claro os meus desejos e anseios.

Estou vendo Catarina, se aproxima de mim com ardência e pressa, noto sua insípida respiração ofegante. Zomba em meu ouvido sua força e comando voluntários. Aproxima-se cada vez mais e a sua velocidade aumenta. O gelo que me sobe até a nuca confirma que sua presença é impiedosa e desprovida de insegurança. Tem traçado seus planos a muito e não se opõe com a idéia de destruição familiar que poderá causar. Impulsiona minha bicicleta com singular força em direção a pista contrária e já não vejo mais nada. Somente a imagem nítida de Rita projeta-se em meu semblante e aos poucos escurece como se houvesse adentrado um vale de sombras.

Noite de 25 de julho de 1998

Todas as noites, mesmo nas quentes, acordava cerca de três vezes inclusive de madrugada para ir ao banheiro, beber água e olhar para os pés de meu marido. É certo que a ida ao banheiro e a sede repentina e costumeira era apenas um pretexto para observar seus pés. Sim, você pode pensar que sou daquelas admiradoras fanáticas por pés bonitos, mas, não era a razão de tal estranha observação.

Nesta noite não acordei, e dali em diante meus despertares não foram os mesmos. Ainda acho que estou dormindo, mas Catarina me lembra que não. Ela o levou e me levará também, ela sim é fascinada por pés e todas as noites vêm olhar os meus, os seus e de todos. Podem observar.

*Vem sem cheiro, sem sublevar, sem presença, mas nota-se.
Toma em suas garras de gélido abismo infindável
O suspiro absorto e ilusório que nos perpetua neste plano
Utopicamente caucionando alma desobstruída.


* Últimos versos extraídos do poema "Medo do Medo da Morte" de Leticia Duns.

Leticia Duns

2 comentários:

Diana Carla disse...

fiquei relamente esperando por essa segunda parte!!
adoreii...

bjinhus...e um lindo fim de semana!

Vanessa Monique disse...

Oi linda,lendo teu texto e logo no começo me deparo com 2 nomes, Catarine e Marcelo.
Vc acredita q tem umas semanas q fiz uma crônica q tem esses 2 nomes? Ainda tah no meu acderno...aushuhs
:*