Todas as noites, mesmo nas quentes, acordava cerca de três vezes inclusive de madrugada para ir ao banheiro, beber água e olhar para os pés de meu marido. É certo que a ida ao banheiro e a sede repentina e costumeira era apenas um pretexto para observar seus pés. Sim, você pode pensar que sou daquelas admiradoras fanáticas por pés bonitos, mas, não era a razão de tal estranha observação.
Agora quem vos fala é Catarina, à frente apresentarei-me.
Marcelo homem dedicado que é, sempre acorda antes mesmo do galo cantar, faz seus afazeres domésticos juntamente com sua esposa e sai para a vida. Cuida da chácara do Sr. Rubens a dois anos e meio e tem uma ótima relação com seus vizinhos afinal os amigos ocupam-lhe o espaço onde fica a saudade de sua família (mãe, pai e irmãos) que estão longe a algum tempo.
Vida corrida de capinagem, plantação e vigia, volta para dentro de casa somente à noite onde sua esposa lhe aguarda para o jantar, depois conversam sobre a quietude do lugar em que não se acostumaram a residir ainda e, depois de longo papo regados a risos e carinhos vão dormir afinal, o galo canta mais cedo que o habitual naquele lugar.
Manhã de 26 de julho de 1998.
Rita sempre acorda primeiro que Marcelo, é certo que ele não sabe de suas preocupações, ela não transparece o medo de ter o marido longe, ele é totalmente necessário a ela em todos os sentidos, em seus sentimentos criou um laço de ligação tão forte como se suas almas fossem interligadas e fundidas a milhões de anos. Mas esse é um assunto em que raramente é comentado em suas conversas, afinal Marcelo é descrente de tudo que não pode ver.
Como é de costume, ele acorda cedo e faz o café preto que lhe mantém acordado durante o dia todo. Ela acorda e vai até a padaria de esquina comprar pão. Tomam café tranqüilos e conversam sobre o que vão fazer durante o dia.
Marcelo pega sua bicicleta e vai até o depósito de materiais de construção no centro da cidade comprar parafusos para arrumar um velho armário na casa do Sr. Rubens.
Ao passar pela porta para acompanhar com o olhar o marido indo em direção a porteira da chácara, Rita sente um leve e suave sopro no pescoço que a faz certificar-se de que está sozinha em casa. Surge então uma sensação de que Marcelo esqueceu alguma coisa em casa antes de sair. Começa a procurar pelos cômodos algo que ele pudesse ter deixado para traz. Não encontra nada, ainda assim aquele sentimento de esquecimento a apavora de tal maneira que a obriga a correr até a entrada da chácara, olha para todas as direções e perde o olhar na estrada de terra que segue longe onde não se pode ver fim de onde está.
Rita ouve uma voz susurrar-lhe ao ouvido: - Marcelo esqueceu você...
Marcelo esqueceu Rita. Não a levou com ele, deixou-a em casa para receber as notícias. Alguém precisava recebê-las.
Sentada na porta de casa ficou esperando o marido chegar para o almoço. Uma, Duas, Três horas, Marcelo não volta para casa, e Rita está convicta de que ele a esqueceu. Não sabe qual passo dar afinal sua necessidade dele gritava e estagnava suas ações.
Eu Catarina, fico a observar este olhar perdido e esperançoso de Rita e machuco seus sentimentos com a incerteza. Não tenho remorso por estas e outras atitudes afinal sou dona de seu destino e não obstante, de seu marido também.
Ao levantar-se da velha cadeira em frente a casa, Rita nota uma pessoa correndo desesperada em sua direção ofegante e engasgada com palavras que precisavam ser ditas de imediato. Naquele momento tomei por corpo tal pessoa e lancei aos ouvidos de Rita as notícias inesperadas.
Alma de Marcelo desprendera-se do corpo no momento em que corria a travessia da ponte principal da cidade em direção ao centro. Sua bicicleta inclinara involuntariamente para a direita onde um caminhão tomava destino contrário ao seu. Sim, fora atropelado, não se despediu de Rita, foi embora sem ela.
Aguardem Segunda Parte.
Leticia Duns